Sabedoria (poema de Letícia D. Brunelli)
I
Uma noite eu caminhava numa rua,
sózinha, eu e a noite.Como uma pulseira de brilhantes aberta,
as lâmpadas dos postes brilhavam em cadeia.
Aqui o fecho, lá longe o gancho.
Eram todas irmãs de mãos entrelaçadas
numa roda de ciranda
partida.
Aqui a mestra, lá longe a última discípula.
Pareciam unidas numa linha contínua de luz
Ilusão.
Mentira.
Eram solitárias, egoístas.
Partículas isoladas
que para um observador incauto
tinham o esplendor da unidade.
II
Uma noite, eu caminhava numa rua,
sozinha, eu e a noite.Como uma pulseira de berloques enferrujada,
os objetos no chão, em frente de uma cooperativa
se dispunham em cadeia.
Guardavam lugar para o dia seguinte.
Eram latas, sacolas, litros, embrulhos.
Era a fome de mãos dadas com a esperança.
Cada objeto, uma pessoa...
Cada pessoa, uma família...
Realidade.
Verdade.
Estavam unidas numa mesma necessidade.
Partilhavam de uma desgraça comum.
Corpos de estranhas formas
que para um observador displicente
Não passavam de bugigangas.
III
Uma noite, eu caminhava numa rua,sozinha, eu e a noite.
O sonho me desenganou,
me atraiçoou
usou fraude para me cativar.
E eu desiludida deparei
com um quadro humanizado,
menos exuberante, mas muito mais belo.
Tinha unidade.
Grandiosa ligação entre seus míseros elementos.
EPÍLOGO
Oh! luzes dos postes, como sois vazias
e enganadoras no vosso brilho.Que diferença entre vossa falsa união
e a solidariedade que emana desses
pequenos objetos sem luz e sem cor.
(pois, nem ao menos são iluminados por vós)
Nunca podereis ter a unidade ,
e encerrar o amor que a miséria possui
no simples gesto de dizer com humildade :
- Eu me coloco ao lado do meu irmão.
Uma noite, eu caminhava numa rua,
sozinha, eu e a noite.Vi as luzes.
Continuei só.
Vi a miséria.
integrei-me no amplexo do universo.
A noite continuou solitária,
com suas lâmpadas tentando cobrir as trevas.
Eu continuei, lado a lado,
com a humanidade.
NOTA:- Morei de 1964-1967, na Casa de Nossa Senhora, pensionato para moças, situado na Av.14 Rua 2, durante o período em que cursei História Natural, na antiga FAFI – Rio Claro. A cooperativa citada (Cooperativa dos Funcionários da FEPASA), ficava na Av. 14 com Rua 3.
Essa composição foi dedicada a minha avó Ana, e ela escolheu “o nome” para o texto.
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