Um fato da infância - MARIA DE LOURDES DOS SANTOS PINTO
Este fato aconteceu, se não me falha a memória, na capital de São Paulo, à Rua Lopes de Oliveira, bairro Barra Funda, na casa de minha avó materna Amélia, onde eu e minha família residíamos.
Era uma tarde tranquila, ensolarada, de clima ameno, seria primavera. Eu devia ter, mais ou menos, quatro anos, era uma criança esperta e vaidosa.Exigia sempre após o banho, que minha avó me vestisse com lindos vestidos, feitos por ela, enfeitasse meus cabelos com laçarotes de fita colorida.Após este ritual, ficava pronta para sentar no degrau junto ao portão de entrada da casa, vendo o bonde Barra Funda passar, cheio de crianças vindas da escola. Era o meu melhor divertimento.
Nessa tarde, entretanto, eu segurava um lindo balão colorido, com muita alegria, presente de meu irmão mais velho. A alegria durou pouco. Surgiu um moleque, um menino maltrapilho, sujo, correndo como um corisco. Inesperadamente ouvi um “bummmmm” que retumbou no meu ouvido, o balão furou. O menino saiu em disparada gritando alegremente.
Fiquei pasma, parada, engasgada, com o choro na garganta, quase sufocada.Minha avó Amélia assustada com o barulho, veio em meu auxílio.Contei-lhe o acontecido. Eu falava repetidamente : “Foi o me, menino vovó, ele furou o balão, foi o menino.”
Vovó afagou-me, consolando-me disse : - “O menino é pobre, não tem o que você tem. Não chore, minha netinha, eu lhe compro outro.”
Esta cena ficou gravada em minha mente, várias vezes vem “á tona”. Não só o acontecido, mas o seu significado, talvez uma lição de moral, que posso interpretá-la tirando uma mensagem positiva para a minha vida.
“A vida não é feita só de alegrias, mas também de tristezas.”
Devemos enfrentar as vicissitudes com paciência e resignação, pois só dessa forma chegaremos até “ELE”, nosso “Pai Eterno.”
A casa da minha infância - LÍCIA MONACO PERIN
A casa era antiga. Grande. Quase assustadora nas noites escuras sem lua.Localizada numa rua pacata, era rodeada por todos os lados por arbustos, árvores no quintal e um pequeno jardim logo na entrada. Nela vivi minha infância.
Eu adorava cada parede sua, sua configuração externa, seus espaços vazios, suas sombras ...
O perfume das roseiras vinha ao meu encontro logo que entrava pelo grande portão de ferro, onde uma corrente dependurada batia toda vez que se fechava o portão.
Minha mãe contou-me que durante uma epidemia – seria de cólera? – haviam morrido todos os moradores dessa casa. Mais tarde, meu nono Aristides a adquiriu e ela foi também, antes de ser a casa da minha infância, a casa da infância da minha mãe.
O quintal de minha casa foi certamente o lugar onde encontrei as sementes que até hoje procuro disseminar do amor e respeito á natureza: as frutíferas que meu nono havia plantado há muitos anos. As aves que aí eram criadas e que eu passava horas observando e admirando. Nossa cachorra Diana, uma policial mestiça, a grande companheira de nossos folguedos, que brincava de esconde-esconde com nós crianças!
O forno de tijolos no quintal, de onde, duas vezes por semana saiam cheirosos pães italianos, cufas e paezinhos doces na forma de pombinhas que minha mãe aprontava para as crianças. O ferro de brasa alimentado com carvão do fogão de lenha ... A água tão quente na grande banheira branca !
As brincadeiras das crianças da redondeza na frente de casa nas noites de verão.
A cama de minha mãe, cheia de todos nós nas noites de frio, onde ela remendando meios e pregando botões, nos contava histórias infantis, que povoavam nossos sonhos e de onde saíamos carregados dormindo, para nossas camas.
A “descoberta” da biblioteca de meu pai, onde eu podia ler tudo, sem censuras. As festas de aniversário. O chocolate quente, os doces caseiros. Os almoços de domingo na grande sala de jantar bem posta. A enorme travessa de massa caseira fumegante, deliciosa ! O doce de abóbora. O manjar branco.
O primeiro dia de escola. O choro de medo. A sensação de estar só. A delícia do aprendizado !
As conversas da família reunida no terraço, depois do jantar. onde meus pais relembravam fatos passados. A Rio Claro antiga, fazendo nascer em nós o amor por nossa cidade e o respeito por aqueles que buscaram e fizeram de Rio Claro, sua morada.
A casa sempre aberta para os amigos, a compaixão pelos menos favorecidos, a busca pelo “novo” e, acima de tudo, a noção de que só o trabalho honesto constrói.
Hoje passo por esta casa e a vejo tão mudada, desfigurada por “modernizações”, qual pessoa idosa que tenta se recompor e disfarçar os anos que chegaram, com o artifício da plástica.
Para mim, vivendo em minhas recordações, ela continua com a mesma beleza dos meus poucos anos, tão viva, tão forte, plena dos sonhos que sonhei, do mundo que busquei e que são relíquias encrustadas em meu coração.
Casa querida! Quanta saudade!
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