Texto da Dra. Licia Monaco Perin
Senti necessidade de escrever-lhe, colocar no papel e fazê-la saber o quanto eu a amo, ainda hoje.
Quero dizer-lhe querida avó que o tempo não apagou sua lembrança, ao contrário, conseguiu filtrar nossos momentos mais deliciosos e felizes, restando para mim tanta ternura, tanta emoção que ainda me emociono ao me recordar deste passado...
Desde menina tive a sorte de contar com sua presença tão cheia de sabedoria, inculcada de preciosas recordações, fatos que moldaram para sempre minha vida. Lembra, Nona, de nossas conversas ao lado do tacho de cobre q ue aquecido num tripé, derretia banha; do porco que era transformado em lingüiça, toucinho defumado; e as varinhas de bambu colocadas no fogo com pedacinhos de carne e sal : delícia! O café da fazenda torrado em grande torradeira, as “caixetas” de goiabada guardadas na adega, com grandes queijos e corotes de vinho importados; o vinho de laranja ... E as receitas típicas de sua região : o “tortelli” nadando no molho de tomate, o “capeletti in brodo” que enriqueciam as festas natalinas e as de seu aniversário (30 de agosto) onde toda a família se reunia? Mas o melhor eram nossas conversas sobre sua vida na Itália.A morte de sua mãe, a pobreza, as obrigações de família, seu pai viúvo ...Seu orgulho por ter sido crismada pelo Bispo Sarto, seu conterrâneo e hoje Santo Papa Pio X. Sua chegada ao Brasil, vindo para uma fazenda de café em Souzas (Campinas). Sua lembrança da Abolição dos Escravos no Brasil. Seu serviço como ajudante de cozinha e engomadeira dos Camargos, donos da propriedade. Seu namoro com o Nono. O s bilhetes mandados nas marmitas que ele distribuía diáriamente entre os italianos fixados nesta nova terra...
Nossas “aulas” de tricô : eu canhota, você vencedora de torneio desse artesanato na sua cidadezinha ! Quanta paciência ! E nossas “viagens” para a fazenda de Graúna? Tão perto e você levava lanche ...
Quantas vezes a vi chorar ao lembrar a morte do Nono, que eu conheci tão pouco, mas que me legou todo amor que sinto pelas coisas da natureza. Quantas vezes fomos ao Excelsior, nos aniversários da nossa cidade, ver o filme do Centenário, onde aparecia o Nono Aristides...
Onde você encontra energia para uma vida tão intensa? Teve 12 filhos, só perdeu um em acidente; criou 3 sobrinhos; sua casa abrigava um verdadeiro clã : seu pai, os sogros, um tio mais velho, irmãos, cunhados ...
Dentro, bem no fundo de seus olhos azuis, vislumbro sempre somente vida e esperança, em suas mãos, a busca constante do trabalho que dignifica e de sua boca a palavra confortadora e plena de paz !
Por tudo isso, e muito mais, eu me pergunto e também lhe pergunto : você se foi? Como, se ainda a sinto tão viva e presente em minha vida; se eu me norteio ainda nos exemplos que guardei, mais que em minha mente, no meu coração e na minha alma.
“Te amo” Nona querida. Continua, fica comigo para sempre que o amor eterno não é medido pelo tempo e eu a sinto ao meu lado, a cada dia, a cada hora que vivo.Um grande beijo da neta Lícia