Identidade: elemento fundamental na personalidade humana
Ficção de Antonio Moreira
Alegre e generoso, recebeu-me principescamente. Ato contínuo, disse-me: “nossa amizade, como toda amizade, tem um toque de eternidade, pois embora distantes físicamente há mais de dez anos, sempre nos fizemos presentes pelos contatos, telefônicos e por cartas que mantivemos, no decorrer de nossas histórias.”
Respondi-lhe, concordando literalmente com suas palavras, verdadeiras e sinceras, sobretudo. Prosseguindo em sua manifestação de confiança e afeto, confessou-me o seguinte: “Sou um homem de vida equilibrada, tenho um casamento com a Carmen, a qual me completa. Entretanto, minha vida tem um lado muito triste, que me faz, de certa forma, irrealizado. Talvez você não saiba, certamente por omissão e constrangimentos meus. Nasci e fui criado sem ter ouvido – jamais – falar em meus avôs paternos, o mesmo ocorrendo, evidentemente, com meus irmãos, Pedro e Paulo. Geneticamente não podemos deixar filhos consangüíneos, pois somos estéreis; nosso sobrenome vem de uma ficção estúpida de um cidadão metido a filósofo e a conquistador, que o acaso destinou para ser nosso pai. Este homem nos fez um grande mal para o resto de nossas vidas, tirando o nome do nosso avô de nossos nomes, o que é uma indignidade. Entretanto, para satisfação nossa tivemos informações seguras de que nossos avós,pais do meu pai, eram pessoas íntegras. Quanto ao meu avô, que se chamava Márcio Duarte, em momento algum fora procurado pelo meu pai. Ele, meu avô, como disse, era homem honrado, digno e leitor incansável, além de haver estudado Arquitetura. Apelidaram-no, a propósito, carinhosamente com o nome de grande escritor francês, fato que nos deixou orgulhosos. O perfil desses avós, que me foi passado por pessoas da mais alta credibilidade, muito me alegra: pelo menos ameniza minhas frustrações. No entanto, não me afasta a tristeza de não ter identidade, que é a muleta psicológica e espiritual de todo ser humano que se preza e quer viver melhor e completado perante a Sociedade.
Considero-me um sobrevivente, embora tivéssemos, eu e meus irmãos, uma mãe maravilhosa, a qual amávamos loucamente.
Peço desculpas ao amigo pelo desabafo amargo e para completar, trago-lhe uma notícia assombrosa relativa a meu avô, Márcio Duarte, o qual, não suportando a humilhação e a indignidade de ver seu nome extirpado dos nomes de seus netos, suicidou-se.
“Relativamente a meu pai, deixo de mencionar seu prenome, por questão de higiene mental ...”
Exclusão - Licia Monaco Perin
Logo no início da criação do homem, segundo a Bíblia, houve a primeira exclusão – a expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden.
A partir daí, a exclusão acompanha a raça humana e se “aprimora” cada vez mais, com sutileza suficiente para aniquilar os mais fracos ou desprovidos de armas contra tal ato desafiante para a personalidade humana.
Quando nasci, fui incluída entre os “humanos”.
Crescendo, em fases sucessivas de minha vida, vi-me incluída ou excluída de certos procedimentos ou grupos. Deus nunca me perguntou se eu queria ou não continuar na vidinha acomodada em que vivia no momento: simplesmente eu sentia que era o fim, que eu deveria aceitar isso como definitivo, virar a página e “partir para outra ...” .
Foi assim com minha infância, com meu período escolar, com minha participação nos esportes, com minha profissão.
“Estabilidade?” Só com minha família e meus amigos.
Lógico que, mudanças geram, quase sempre , sofrimento e transtornos em nossas vidas . É tão bom ficar estagnada em “porto seguro”, sentir que não há perigo nos desafios que surgem para nos provocar. Mas, diante disso, penso sempre – “que vida vazia, que chatice, que desperdício de tempo, de vida ...”
Há trinta anos passei por um grande desafio: enfrentar uma mastectomização total, reagir e viver uma nova vida ou entregar-me àquilo que era esperado em casos iguais ao meu – ficar à margem da vida, abandonar meus projetos, encolher-me dentro de mim mesma ou esquecer, minimizar minha exclusão e valorizar cada minuto da sobrevida que me estava sendo oferecida...
Quanto preconceito. Quanta ignorância. Quanta palavra dita sem pensar! Quantas flechas atiradas contra minha auto-estima ...
De tudo isto, colecionei a solidariedade, só me lembrando da amizade de tantos que eu até nem conhecia; a compreensão e apoio da família. Restou-me, também, a certeza de que a exclusão caminha conosco, que o ser humano pode se comprazer em diminuir o seu igual, machucando os que caem e não se levantam, aos que choram e não enxergam que “as nuvens podem encobrir as estrelas, mas que as nuvens passam e as estrelas ficam ...”
O preconceito de uma mãe - Maria Inês Dominiquini
Quando me formei fui trabalhar numa cidadezinha do interior. Trabalhava com crianças especiais e também com as mães.
Um dia uma mãe me disse que na saia com a filha, pois todos tinham preconceitos de criança com síndrome de Down. Inclusive a mãe, como percebi.
Então ela me perguntou, como é criar uma criança especial, sem preconceito.
A comparação que me ocorreu foi a seguinte.
Esperar um bebê é como planejar a fantástica viagem de férias com que você sempre sonhou para a Itália. Você compra um monte de guias e faz planos maravilhosos. O Coliseu, o David de Michelangelo, as gôndolas
Depois de meses de expectativa, finalmente chega o dia da viagem . Malas prontas, você entra no avião e algumas horas depois a aeromoça vem e diz : - Bem vindos à Holanda ...
Holanda? Como assim, Holanda?
Você se espanta : “meu voo era para a Itália. Sonhei a vida inteira em viajar para a Itália”. Mas houve mudança no plano... Aterrissaram na Holanda e este é o seu destino agora.
O importante é que não a levaram a um lugar horrível, desagradável e sujo, cheio de epidemias, fome e doenças. É só um lugar diferente.
Então, você tem que sair, comprar novos guias, aprender uma língua nova e conhecer pessoas que nunca teria conhecido se tivesse ido para a Itália. É só um lugar diferente.O ritmo é mais lento do que o da Itália, a luz menos brilhante, mas depois de estar lá por algum tempo, você toma fôlego, olha em volta e começa a notar que a Holanda tem moinhos, tem tulipas, a Holanda tem até Rembrandt!
Mas, todo mundo que você conhece, foi e voltou da Itália comentando maravilhas do tempo passado lá. Pelo resto da vida você dirá: - era para lá que eu deveria ter ido; era isso que eu tinha planejado!
E a dor do seu coração nunca, nunca mesmo irá embora completamente, porque afinal a perda desse sonho é muito significativa.
Mas, se você passar a vida lamentando o fato de não ter ido para a Itália, talvez não possa descobrir e aproveitar o que existe de tão especial e todas as coisas adoráveis que viu na Holanda.
Depois desse dia, essa mãe entendeu o que é uma filha especial.
Hoje ela é muito feliz, ama a filha e não se envergonha. Aprendeu a lição.
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