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Uma grande vitória poder divulgar o nosso projeto!
A OFICINA DE LEITURA E CRIAÇÃO LITERÁRIA
3A. IDADE CLARETIANAS FOI UM DOS PROJETOS SELECIONADOS PARA APRESENTAÇÃO NO III FÓRUM DO PLANO NACIONAL DO LIVRO E DA LEITURA E NO III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE BIBLIOTECAS, EM AGOSTO DE 2010.

sábado, 29 de outubro de 2011

Oficinas Agosto/setembro

No segundo semestre de 2011, estamos trabalhando mais perto da Poesia. Aprendendo suas delicadezas, sua fúria de palavra tensionada ao extremo. Estudamos a poeta mineira Adélia Prado, que encontra seu motivo no cotidiano. Os alunos foram convidados a escrever sobre esse mesmo tema. Como sempre ocorre, em nossa oficina não há certo e errado, tampouco obrigamos à opção pela forma. Assim, algumas alunas optaram pela prosa, mantendo a temática proposta. Em seguida, os textos.

Texto D. Lourdes

Breve.

Oficina Literária

Texto da Geni Bizzo



Na penumbra da sala
Faíscas cintilantes explodem nos olhares atentos
Silencio total na expectativa
o raciocínio é lento
 Mas o sorriso é farto evidenciando a vaidade encoberta

O lirismo embala os sonhos
A emoção domina a cena
Sandra incentiva...
Soltem as amarras e voem
Nas asas do sonho real de Clarices, Coras e Adélias

O varão sorri de soslaio do alto de sua cátedra
pois poeta é,
Tem brilho próprio que a humildade esconde.

Pobres de nós
Haja neurônios
Os meus estão já não sei onde.




Rezas e Benzimentos

Texto de Geni Bizzo



Coisas da pobreza, da crença ou da fé,
falta de grana ou informação,
a medicina caseira curava até bicho de pé.
As simpatias e as rezas, usadas com emoção,
 passavam, com certeza, de geração em geração.
Se minha memória não falha, quero deixar registrado,
 embora nos dias de hoje
vão achar muito engraçado.

Emociona-me falar sobre isso,
acho muito bom reviver.
E  sem parcimônia ou compromisso,
passo receitas do bem-querer.
Acompanhando os rastros dos pés da criança na areia,
 que  só andava segura pela mão,
um ramo de cipó são joão por um machado era cortado,
cortava também o medo na marquinha  do pé no chão.

Dor de cabeça? tonteira?
 três brasas acesas num copo com água era entornado
 num pano sobre a moleira;
dizia-se que era sol e num instante ficava curado,
voltando o infante  para a  brincadeira.
Espinhela caída, vento virado? Media-se com barbante
 da cabeça à ponta do dedão
 e depois de três Aves-Marias, a dor sumia num instante,
acalmando o chorão.

Erva santa maria ou mentruz, há quem não acredita,
mas dentro de um certo tempo, tinham fim os parasitas.
Folha de beladona ou saião, quando aquecida, curava inflamação;
sua flor, linda e branquinha, deixava a pele lisinha.
Capim santo,  erva cidreira ou chá de estrada,  
 com um chazinho a criança era acalmada.
Três voltas ao redor da casa, quando a criança nascia,
no colo da mãe ou das tias, evitava o mal de sete dias.
Folhinha de mamona novinha, com azeite aquecido,
cobria o enorme furúnculo,  que não mais ficava doído.

 Para queimadura? cataplasma de vela derretida e fria,
demorava um pouco, mas era certa a cura um dia.
Gripe forte? peito cheio? com emplastro de fubá cozido e quentinho,
respirava  melhor o menininho.
Três galhinhos de arruda debaixo do travesseiro
levava embora o quebranto da criança linda e olhar matreiro
 que, por causa do mal olhado,
havia chorado o dia inteiro.


Com folhas de fumo curtidas na água canforada
banhava-se o ferimento adquirido todo dia;
picadas de insetos e arranhões
tinham sua assepsia.
Hortelã, poejo, marcelinha,
erva doce, quebra-pedra, manjericão,
arranha-gato, carqueja ou melissa
eram usados em banhos, macerados ou infusão.

É crendice, dizem alguns, bruxaria acham outros,   
mas a mãe pobre  sempre buscava  solução.
No seu quintal ou redondeza,  nativas ou cultivadas,
 achava ervas de montão.
Com fé  sem perder a alegria,
via crescer sua cria.
Crescemos fortes e sem trauma,
com algumas cicatrizes.
Mas reverenciamos dona Pina
e bendizemos nossas raízes.

Momentos de felicidade

Texto de Marizilda Sartori



Felicidade?

Medi-la como?

 Sem condições.

Apenas, descrevê-la.

É sentir logo de manhãzinha

o cheiro do café, do filaõzinho ainda quente,

o dia ensolarado,

a beleza das flores no quintal,

o canto dos pássaros.


É ser surpreendido pelo abraço

afetuoso do neto  primogênito

desejando bom dia 

e o despertar de mansinho

do caçula, ainda sonolento,

procurando aconchego.


Deparar, por vezes, com desenhos

pendurados  na porta da geladeira

deixados pelos meninos

na noite anterior,

lembrando uma cortina colorida.


Momentos de felicidade?

Sim, existem.

As mãos

Texto de Letícia Brunelli



Gosto de olhar as mãos ...

Todas elas me fascinam,

porque todas sem distinção

fazem gestos que alucinam.
 

Há as que falam ...

e as que silenciam ...

Há as que rezam ...

e as que acariciam.


Mas, prefiro entre elas,

as mais ágeis e precisas;

as que por Deus abençoadas

fazem obras nesta vida.
 

São sempre silenciosas,

nunca cantam seus talentos,

e a cada tarefa feita

se tornam mais caprichosas.
 

Veja as mãos do lavrador,

com as sementes delicadas,

faz a cova, afofa a terra,

rega, aduba e faz as podas.


Tiras as pragas, arranca o mato

não sente do espinho a dor ...

nem o sol que lhe castiga,

só para acolher a flor !

Um lugar poético


Texto de Terezinha Cattai



Há um lugar, um pequeno comércio,

uma mini-mercearia,

Um lugar simples, comum

mas único no mundo

porque para mim é especial, é poético.



Cada dia é único

com pessoas diferentes

pessoas que vem todos os dias

pessoas que vem pela primeira vez

pessoas que vem uma única vez

pessoas conhecidas pelo nome ou apelido

pessoas conhecidas pela história

de vida, de muitos anos ...



Um lugar onde se vende: paes,

doces, balas, ovos, velas, canetas,

 café, cartões e outras coisas.



Um lugar onde se encontra:

simpatia, alegria, amizades,

sorrisos, simplicidade, risos de

crianças, honestidade, confiança

dignidade, ética, respeito,

generosidade e amor ao próximo.



Um lugar onde se encontra

tudo o que não se compra

nem se vende,

por isso é valioso e único.



Esse lugar é poético,

Transcende o tempo, o espaço

que ocupa, o prédio com

os objetos.



Esse lugar me inspira o Bem,

alegra a minha vida, preenche

o meu coração com sua

Poesia tão simples, natural,

Verdadeira, delicada e bela.


Meu amanhecer


Texto de Maria do Carmo Messetti


Como é bom abrir a janela a sentir a brisa da manhã. Ao abrir contemplo o jardim que rodeia o apartamento.

Admiro as roseiras todas floridas, as orquídeas presas aos arbustos e várias plantas ornamentais.

Essa tranquilidade, essa contemplação me faz bem.

Ouço os pássaros voando de galho em galho, principalmente os beija-flores.

Para completar o dia, tenho um vizinho  maravilhoso. É o Pedrinho, garotinho de três anos. Quase todas as manhãs , ele vai me dar bom dia e gosta de brincar com pregador de roupas, fazendo trenzinho. É uma graça.

Enquanto cuido dos afazeres ele se diverte com estes apetrechos e as vezes ele canta as músicas que aprendeu na escola.

Sou a “vó terceirizada” dele e assim ele me deixa as manhãs alegre.

Temos que agradecer a pureza da natureza e a o encanto de uma criança  que me alegra.

domingo, 21 de agosto de 2011

Oficina Junho

Os textos que se seguem obedecem à proposta de resgatar aspectos da cidade de Rio Claro que estejam ligados a algum dos sentidos (ou todos) que formam o sistema sensorial. A cidade nos envia estímulos sensoriais o tempo todo, nós os percepcionamos, mas nem tudo permanece fixado na memória de curto ou longo prazo. Ao trabalharmos com a possibilidade de resgatar tais sensações, abre-se um espaço para amalgamar vivências pessoais ao espaço público. Nos exercícios de escrita, cada aluno trouxe um aspecto, subjetivo ou objetivo, atendendo à proposta.

Trocando New York por Rio Claro

Texto de Rosemarie Brunhild Grassmann Bóbbo

Vivendo em São Paulo, passando os fins de semana num belíssimo Clube de Campo, nossos três filhos em ótima escola e a firma de meu marido a cem  metros do nosso apartamento, estávamos felizes ...

O prédio, no qual morávamos, situava-se na confluência da Av.Pacaembú com a Lavradio, dezenas de carros passavam por lá, noite e dia, muitos buzinaços e brecadas ... barulho cidadino ...mas, nada disso nos incomodava... Nossa AUDIÇÃO nada percebia !!! Meu marido, vez ou outra dizia: “se algum dia mudarmos de cidade, só poderá ser para new york ... “

Mas, a firma que tínhamos em Santa Gertrudes, repentinamente, precisou de nós ... E? ... Em 1974, nos mudamos para Rio Claro ...

Rua 3, silencio total á noite. Em vez de apartamento, bela casa térrea, jardim, pomarzinho ...

Mas ...apesar de os dormitórios se localizarem para trás, se algumas pessoas parassem perto da grade de nosso jardim da frente , conversando ... acordávamos !!!

Certa noite acordei com um barulhinho de  ... tac... tac.. tac..  e alguém dizia números ... o que seria ???  A família do vizinho, jogando tômbola ... e o muro que separa as duas casas era muito alto ... o que faz a audição: o hábito de se ouvir barulhos desagradáveis , que não mais nos aborrecem nem nos acordam ... e, repentinamente, praticamente, sussurros, nos fazem sair do sono mais profundo !!!

Agora já nos sentimos verdadeiramente Rioclarenses... mas, o interessante é que em New York, quase todas as Avenidas e Ruas são numeradas como aqui em rio claro ...

Portanto ... mudamos pelo menos para uma cidade com a mesma organização urbana, de New York ... E, bem mais calma, apesar de não mais ter o silencio de 1974 ...


EM TEMPO: O sentido OUVIR , encontra-se 200 vezes na BÍBLIA SAGRADA.
Em TIAGO, diz DEUS o seguinte: “... TODO O HOMEM, POIS, ESTEJA PRONTO PARA OUVIR, TARDIO PARA FALAR, TARDIO PARA SE IRAR."

E em JOÃO, lê-se: “E, É ESTA A CONFIANÇA QUE TEMOS PARA  COM ELE, QUE, SE PEDIRMOS ALGUMA COISA, SEGUNDO A SUA VONTADE, ELE NOS OUVE !!!”



                           

Interpretação Sensorial de Rio Claro



Sabedoria (poema de Letícia D. Brunelli)


                                I
Uma noite eu caminhava numa rua,
sózinha, eu e a noite.
Como uma pulseira de brilhantes aberta,
as lâmpadas dos postes brilhavam em cadeia.
Aqui o fecho, lá longe o gancho.
Eram todas irmãs de mãos entrelaçadas
numa roda de ciranda
partida.
Aqui a mestra, lá longe a última discípula.
Pareciam unidas numa linha contínua de luz
Ilusão.
Mentira.
Eram solitárias, egoístas.
Partículas isoladas
que para um observador incauto
 tinham o esplendor da unidade.

                                       II

Uma noite, eu caminhava numa rua,
sozinha, eu e a noite.
Como uma pulseira de berloques enferrujada,
os objetos no chão, em frente de uma cooperativa
se dispunham em cadeia.
Guardavam lugar para o dia seguinte.
Eram latas, sacolas, litros, embrulhos.
Era a fome de mãos dadas com a esperança.
Cada objeto, uma pessoa...
Cada pessoa, uma família...
Realidade.
Verdade.
Estavam unidas numa mesma necessidade.
Partilhavam de uma desgraça comum.
Corpos de estranhas formas
que para um observador displicente
Não passavam de bugigangas.

                              III
Uma noite, eu caminhava numa rua,
sozinha, eu e a noite.
O sonho me desenganou,
me atraiçoou
usou fraude para me cativar.
E eu desiludida deparei
com um quadro humanizado,
menos exuberante, mas muito mais belo.
Tinha unidade.
Grandiosa ligação entre seus míseros elementos.

                               EPÍLOGO

Oh! luzes dos postes, como sois vazias
e enganadoras no vosso brilho.
Que diferença entre vossa falsa união
e a solidariedade que emana desses
pequenos objetos sem luz e sem cor.
(pois, nem ao menos são iluminados por vós)
Nunca podereis ter a unidade ,
e encerrar o amor que a miséria possui
no simples gesto de dizer com humildade :
- Eu me coloco ao lado do meu irmão.

Uma noite, eu caminhava numa rua,
sozinha, eu e a noite.
 Vi as luzes.
Continuei só.
Vi a miséria.
integrei-me no amplexo do universo.
A noite continuou solitária,
com suas lâmpadas tentando cobrir as trevas.
Eu continuei, lado a lado,
com a humanidade.

                             Rio Claro, 17 de Abril de 1967. 

NOTA:- Morei de 1964-1967, na Casa de Nossa Senhora, pensionato para moças, situado na Av.14 Rua 2, durante o período em que cursei História Natural, na antiga FAFI – Rio Claro. A cooperativa citada (Cooperativa dos Funcionários da FEPASA), ficava  na Av. 14 com Rua 3.
Essa composição foi dedicada a minha avó Ana, e ela escolheu  “o nome” para o texto.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Praça XV de Novembro

Texto de D. Mariângela J.P. Gomes

Coreto da Praça XV de Novembro, Rio Claro/SP

Rio Claro, Terra dos Indaiás, Cidade Azul, que viu nascer minha família. 
Suas ruas centrais calçadas com paralelepípedos, ao passar do tempo revestiram-se de asfalto. 
Meu jardim público, meu bosque encantado, localizado na Praça 15 de Novembro, entre ruas três e quatro e avenidas dois e três. Árvores frondosas oferecendo sombras aprazíveis,  ar puro e perfumes suaves à adultos e crianças que deliciam-se com seu encanto e beleza. 
Tenho oito anos, descalça percorro este espaço mágico sentindo o frescor desse ar delicioso subindo nos meus pezinhos. Meus sapatinhos? Deixei-os debaixo do banco defronte ao coreto, onde aos domingos ouvimos  à noite a retreta pelos músicos da banda.Como é bonito! Adoro  ver e ouvir os músicos tocando. 
Continuo caminhando a procura de folhas que caem dos galhos das árvores. Encontro muitas, cada uma com sua cor e formato que lhe é peculiar. Já tenho o suficiente, os palitos também  para uni-las. Tudo preparado. 
Oba, que bom! Minha amiguinha Wilma chegou, vamos aprontar nossas fantasias de índio! De tanga e cocar, adentramos à floresta, batendo com a mão na boca emitindo ah ...ah ...ah...fazendo o maior ruído, vamos correndo na maior euforia. 
Agora somos índios! Tupi - Guarani? Pode ser! A correria continua : ah...ah...ah... 
Paramos algumas vezes debaixo de árvores gigantescas, nos sentindo pequeninas. De repente, vemos um enorme pé de Jatobá  e no chão, alguns deles. O perfume é irresistível. Catamos todos. Não dá para esperar: com uma pedra meio grande vamos batendo até abri-los. Pronto. Sentadas no chão, nos deliciamos saboreando-os ali mesmo. 
A brincadeira continua, só termina quando somos chamadas para voltar para casa. 
O tempo passou muito depressa, mas nunca esqueci do meu majestoso jardim público, onde  podíamos brincar e passear com nossos familiares com tranqüilidade; dos lindos tanques,  da gruta,   do índio com sua fonte luminosa, dos bustos de personalidades  importantes que contribuíram com nosso progresso, do roseiral suspenso que havia pelos lados da avenida três,  do caramanchão “ Caminho da Felicidade” na rua quatro...
E o nosso Anjo da Concórdia? Que lindo! Hoje encarcerado entre grades. Que pena!
Nosso jardim passou por grandes transformações. Continua sendo ponto de referência, nosso cartão postal. Um patrimônio maravilhoso que Deus plantou nesta nossa querida e abençoada Cidade Azul!

Viagem sensorial

Texto de Geni Bizzo

  Cai a noite tingindo de negro o espaço. Deitados, observamos o teto, rezando para que os olhos se acostumem à escuridão e nos permitam observar as réstias de luz produzidas pela lua crescente através das pequenas frestas da casa de madeira com telhado sem forro. O pisca-pisca das estrelas-vagalumes (ou dos vagalumes-estrelas) nos diverte e nos leva a imaginar viagens fantásticas no rabo de um cometa gigante.
Nossa mãe apaga a luz bruxuleante da lamparina a querosene para que possamos dormir. E ralha conosco, quando rimos das nossas brincadeiras ou damos abafados gritos com medo da assombração que, temos certeza, ronda a casa. São assim nossas lindas noites e, até que o sono nos domine, aproveitamos o tempo, que nos parece uma eternidade, num simplesmente fazer nada. 
Nas noites chuvosas, nos agarramos com medo do clarão dos relâmpagos que riscam o céu e tapamos os ouvidos aguardando o ribombar dos trovões. Os galhos que roçam os telhados são para nós passos de bruxas (ou de uma mula sem cabeça que vem para nos assombrar). O que nos distrai nesses momentos é o coaxar dos sapos que fazem festas, comemorando a água em abundância, fundamental para eles.
Amanhece o dia. Felizes, observamos atentos a relva molhada, sentindo  o cheiro doce da terra lavada e a beleza das pétalas brancas e perfumadas do sabugueiro gigante que forram o chão, emoldurando o pequeno quintal, nosso recanto feliz. Recolhemos as mangas derrubadas pela ventania e nos deliciamos ali mesmo, arrancando com os dentes as cascas que envolvem a saborosa fruta. Nova manhã, sol brilhando, e não nos lembramos mais da tormenta.
Os anos passam.
A pequena casa, agora de tijolos, possui luz elétrica e água encanada. A rua sem asfalto, coberta de areia vermelha, passa ser o palco de nossas brincadeiras: pique-esconde, barra manteiga, Maria sai da lata, pula-corda e tantas outras formas de diversão que inventamos na hora e que nos entretêm até o cair da noite.
Em frente a uma vizinha rua da esquina, a estação de trem que, a cada partida de um comboio, nos dá a noção da hora com os longos apitos das marias-fumaças soltando faíscas pelos grandes narizes. No enorme pátio aos fundos do prédio principal, enormes composições fazem manobras e se abastecem.
Do outro lado da rua, um grande terreno, usado por uma empresa para armazenar os fardos de algodão antes de serem prensados e transportados para as indústrias distantes, é usado por nós como esconderijo nas brincadeiras. Entre as imensas pilhas nos encolhemos, escorregamos do alto e cutucamos as sacas para libertar as sementes das macias e brancas maçãs de algodão. O cheiro delicioso do ouro branco recém-colhido impregna nosso nariz e, misturado à poeira vermelha, nos faz espirrar e rir muito por isso. Às vezes aparece o vigia e nos dá um pega, fazendo-nos correr e, às gargalhadas, procurar outro abrigo.
A juventude chega.
Com ela, outras ambições, outros compromissos, outras histórias, mas o cheiro e o gosto da infância ficaram na lembrança. Agora o cuidado com os cabelos, o cheiro forte do perfume doce, a carícia dos vestidos rodados armados com anáguas rendadas que davam lindas formas à nossa silhueta, os sapatos de salto alto, os ternos para os meninos, o vai-vem na praça, os olhares atentos nos flertes, os bailes abrilhantados por famosas orquestras, os corpos colados rodopiando ao som dos boleros românticos, as cálidas carícias, palavras roucas ao pé do ouvido. Todos os sentidos em ação na vivência de momentos inesquecíveis. Momentos que se transformam em horas, dias, anos e...
A maturidade é inevitável.
A vida adulta na cidade grande nos remete a outras sensações. O barulho do ronco dos motores misturado ao som dos radinhos de pilha dos passageiros do ônibus lotado. A visão embaçada pela espessa fumaça, as mãos procurando apoio para o equilíbrio. O gosto ácido da responsabilidade misturado ao prazer da busca por um lugar ao sol. É assim que as lembranças vão sendo substituídas por outras que nascem agora tendo como cenário um mundo diferente não menos desejado.
Aos poucos, a adaptação. Com ela, outras belezas se incorporam ao cenário da passarela dos sonhos. Agora o trajeto tem outras cores: jardins floridos, bandeiras tremulando no alto dos prédios, cheiro suave das panificadoras, o apito atento do guarda de trânsito, o contato suave dos grossos agasalhos a nos proteger do frio intenso são coisas que fazem parte do cotidiano.
É a vida que pulsa dentro da gente, proporcionando uma existência feliz. Quando se percebe... O outono chegando, não cinza, mas de um verde-esperança, de um azul-céu de paz, um lilás de tranquilidade, um celeiro de energia e alegria de viver. Outros projetos, outros sonhos e o renascimento na busca da vida simples do interior. O retorno, não para a terra natal, mas para a muito charmosa e não menos querida Cidade Azul. 
Por que essa escolha? Porque, das muitas fugidas da cidade grande nos feriados e nas férias, é Rio Claro a cidade escolhida: além do aconchego familiar, a tranquilidade e a beleza no seu jeito provinciano de ser. O jardim público com a charretinha levando as crianças para passeios e os carrinhos de pipoca e sorvete me trazem de volta o encanto da infância. A beleza da Floresta Estadual, com as ninféias perenes colorindo o lago, os aguapés lilases enchendo de magia o local.
Os ipês encantando as avenidas e o calor dos amigos que já fazem parte da minha vida influenciaram sobremaneira minha decisão de aqui viver. E o destino quis que a residência tivesse a sacada voltada para o pátio da velha estação de trem. E, para mais além no horizonte, o grande horto florestal faz rescindir o cheiro suave dos eucaliptos e serve de palco para revoadas de pássaros no cair das tardes. Isso sem contar o espetáculo do nascer do sol e de sua irmã lua. 
Mas... como nem tudo são flores em qualquer caminhada, minha cidade do coração também já não é a mesma. Cresceu, está com cara de cidade grande. Com lindos espaços de lazer e comércio muito desenvolvido, perdeu um pouco da sua timidez, mas continua aconchegante. Apenas uma coisa me deixa contrariada: o barulho fora do comum a me atormentar dia e noite.
O som do apito do trem que eu adorava na infância agora me incomoda, pois as enormes locomotivas abastecidas com óleo diesel e seus apitos estridentes e longos ofendem meus tímpanos.  Estridentes e dispensáveis, uma vez que o trânsito não é tão grande e uma cancela é fechada para evitar acidentes quando o comboio passa. Por causa do barulho infernal, os cães recolhidos da rua e alojados em um espaço perto dos trilhos põem-se a latir nas madrugadas.
Os animais não têm culpa. É louvável a iniciativa da ONG em tirar das ruas os animaizinhos indefesos. Os maquinistas, talvez cumprindo normas, também não são culpados. Mas, sinceramente, o que eu mais gostaria agora é ouvir o som do silêncio para dormir o sono dos justos.

Cheiro de Infância

Texto de Terezinha Cattai

Nossa memória tem o poder de trazer para o momento presente, o passado de muitos anos, com todas as emoções, os mínimos detalhes, apenas com um cheiro, o cheiro da infância.
Cada vez que eu entro na Escola Joaquim Salles, na rua 7 avenidas. 5 e 7, (a primeira escola de Rio Claro), agora para votar nas eleições, sinto esse cheiro e o passado volta em minha memória, em meu coração.
Foi o tempo em que cursei o Primário as 1ª, 2ª, 3ª e 4ª série.
Sinto o cheiro de crianças entrando nas salas de aula; o cheiro da madeira do assoalho; das carteiras envernizadas, com cadeiras grudadas e o lugar para colocar o tinteiro; o cheiro das merendas na cozinha : sagu com groselha, arroz doce, canjica, sopa de macarrão, pão com carne moída; dos gabinetes dentários (eram dois), o perfume das professoras, enfim, o cheiro de simplicidade e de enorme felicidade !
As professoras eram comprometidas com os alunos e ensinavam com amor.
Cada uma me deixou uma lembrança particular guardada com muito carinho.
A professora boazinha, muito simples e humilde da 1ª série; já a da 2ª série era muito chique e elegante, com seu colar de pérolas, rouge, batom e salto alto; a da 3ª série era muito, muito brava e me fazia tremer de medo. E a professora da 4ª série que eu mais gostava, infelizmente para mim, deixou a classe no meio do ano para ter seu filho e em sei lugar veio outra que também cativou meu coração.
O momento mais aterrorizante para nós crianças pequenas, era quando na hora da fila de entrada , o diretor andava entre os alunos falando sobre disciplina e respeito, mas o que ele passava mesmo era pavor, porque gritava e ameaçava. Nunca me esquecerei do Diretor Nelson Stróili.
Mas, esta escola tinha (tem) um lugar que para mim era mágico e lá o cheiro de infância feliz  é ainda mais presente. É cheiro de alegria, de risadas, gritos, inocência, carinho, amizades, brincadeiras.
É o pátio de terra onde há uma enorme mangueira centenária e suas raízes fora do solo, grossas e longas, eram nossos bancos para tomarmos nossos lanches.
Falando nisso, ainda me lembro do pedaço de pão com marmelada, no guardanapo xadrez e a limonada na garrafinha dentro da lancheira de plástico.
E depois do lanche vinham as brincadeiras deliciosas e muito divertidas: pega-pega, esconde-esconde, amarelinha, pular o comprimento entre dois riscos na terra, pular corda (várias modalidades), bobinho com bola, rodas cantadas, barra-manteiga, passa anel, queimada e muitas outras.
Era uma alegria, uma felicidade espontânea e verdadeira que não dependia de quanto era o salário do pai de cada criança, da beleza, da roupa, do sobrenome, se a família tinha um carro,  casa própria, se era branca, negra, japonesa, ou do bairro onde morava , todas as crianças brincavam juntas.
Por isso, a Escola Joaquim Salles, tem e sempre terá um lugar muito carinhoso, lindo, mágico em meu coração, com este cheiro de minha infância querida.

INTERPRETANDO RIO CLARO - “CIDADE AZUL” SENSORIALMENTE

Texto de D. Maria de Lourdes Pinto 
Em uma fria manhã do mês  de junho de 1958, chovia levemente na  “Terra da Garoa”. Com muita tristeza eu, meu esposo, minha filha de oito meses e meus pais deixamos São Paulo. 
Mas havia um pormenor que compensava essa melancolia; iríamos iniciar uma nova vida, com novos empregos. Fomos contratados, eu e meu esposo para trabalharmos na Faculdade de Filosofia, Ciencias e Letras de Rio Claro,SP, que estava iniciando suas atividades. 
Viajamos de trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, vagão pulman, muito confortável. Desembarcamos na estação de Rio Claro. Trouxemos apenas algumas malas, os outros pertences deveriam chegar com a mudança que seria descarregada na Avenida 5 com a Rua 4, em nossa futura casa, antiga, mas acolhedora, alugada com bastante antecedência, para ser pintada e limpa. As ruas não tinham nome, eram numeradas, achei muito interessante.
Tarde agradável, temperatura amena; tiramos nossos agasalhos. Clima tão diferente de São Paulo ... Rio Claro nos recepcionou  bem. À primeira vista tivemos boa impressão. Notei que as ruas e avenidas eram limpas e sem buracos, belos jardins, lindas praças. 
No dia seguinte acordamos cedo, com o apito do trem chegando na Estação; apesar do cansaço da viagem e de algumas arrumações necessárias para nos acomodarmos, tivemos que nos levantar. 
Estávamos todos ansiosos para conhecer com maiores detalhes a vida desta cidade interiorana.
Meu pai, idoso, muito metódico, acordou mais cedo do que os demais. Aprontou-se: terno, gravata e chapéu, como de costume e saiu para comprar pão e leite na padaria, próxima de nossa residência.
Um pouco mais tarde deixando a nenê com minha mãe, sai para fazer algumas comprinhas.
Caminhando vagarosamente, reparando nos números das ruas e avenidas, pois não conhecia a cidade, me informando onde ficava a quitanda e açougue, olhei distraídamente para o céu, me chamou a atenção, estava completamente azul, puríssimo, sem nuvens, de um belíssimo azul, como o manto de Maria, me emocionou.
Chegando em casa, comentei com meu pai, ele como sempre tinha uma história para me contar.
- Minha filha, perto do jardim público, aliás, muito bonito, tinha uma banca de jornal e conversando sobre Rio Claro, o jornaleiro me informou que a cidade se chama Rio Claro “Cidade Azul”. Gostei da explicação. Estou aprendendo.
Satisfeita com a explicação de meu pai, volto a narrar o que me chamou  a atenção também:
Dois apitos que soam diáriamente muito fortes em horas certas, de doer os tímpanos. Depois fiquei sabendo que eram da Cervejaria Caracu.
Ouve-se também o sino da Igreja Matriz, na Praça da Liberdade, repicando alegremente, chamando os fiéis para as missas dominicais.
Outros sons que ouvimos de minha casa, eram os acordes das orquestras que abrilhantavam os bailes da S ociedade Filarmonica Rioclarense aos sábados e também os sons dos bailes carnavalescos daquele clube.
Hoje, passados os anos, já não se ouvem mais alguns destes sons mencionados nesta narrativa.  Eles me fizeram esquecer o borburinho da capital paulistana e  eu me tornei uma Rioclarense,  “Graças a Deus.”

domingo, 19 de junho de 2011

Objetos Biográficos

Imagem captada na net, apenas para ilustrar

Nas oficinas de abril/maio, trabalhamos o conceito de objeto biográfico vinculado à Literatura. Partimos do pressuposto de Eclea Bosi:

"Podem ser considerados objetos biográficos, aqueles que envelhecem com o possuidor e se incorporam à sua vida(...). Cada um desses objetos representa uma experiência vivida, uma aventura afetiva (...) Eles são incorporados à vida das pessoas, representam experiências vividas, uma aventura afetiva do proprietário (...) Só o objeto biográfico é insubstituível: as coisas que envelhecem conosco nos dão a pacífica sensação de continuidade."

Nesse contexto, analisamos a obra "O Penhoar Chinês", de Rachel Jardim; também, o conto "Os objetos", de Ligya Fagundes Telles; a letra da cançao do Chico Buarque e Francis Hime "Trocando em Miúdos" e, finalmente, o poema "Despedidas", de Affonso Romano de Sant'Anna.

Os textos produzidos pelos oficineiros, em prosa e verso, são marcados pela delicadeza das memórias reinventadas, que, quando partilhadas, recriam uma época.

A tesoura de alfaiate

Texto de D. Mariângela J. P. Gomes

Foto captada na internet. Tesoura semelhante à do relato.


          Tantos são os objetos que tenho guardados em minha memória, no coração e no meu baú. Hoje parei em frente a ele e resolvi abri-lo.  Qual não foi a minha surpresa no primeiro toque,  ao deparar com um pacote que fez meu coração bater mais forte. Percebi logo o que era,  então o desfiz.

          Ali estava a tesoura do Heitor, sua companheira  de trabalho durante todos os muitos anos que exercera o honroso ofício de alfaiate. Comovida, olhando para ela, leio gravado próximo ao parafuso que prende as duas lâminas : GALIER – PARIS.

          É uma tesoura bem grande com pontas longas bem finas, que prestou muitos serviços no passado, hoje na melhor idade, já com seus quase oitenta anos, descansa aposentada no baú.

          Transporto-me agora ao passado, é de manhã, estou na loja, isto é, Alfaiataria Excelsior, que leva o slogan : “Elegância Máxima em Linhas Diferentes”.

           Heitor defronte ao balcão largo e comprido estende a peça de casemira, em seguida com o giz e esquadro, traça o molde com as medidas do freguês. A fita métrica sempre dependurada no pescoço. A tesoura ali ao lado, ansiosa, intrépida, altiva, certeira, inicia mais uma jornada, guiada como numa dança por mãos tão hábeis, bailando para cá, girando para lá sobre os traços no tecido, cortando com suas lâminas afiadas, vai dando formas ao modelo.

          Quem será o elegante felizardo que irá desfrutar o belo traje?

          Volto ao presente, a tesoura aqui ao meu lado me remota a muitas outras recordações daquele tempo bom e feliz!




Fiel companheiro

Texto de Geni Bizzo

Foto tirada pela autora do texto, no museu da cidade de
Conservatória/RJ; o rádio é igualzinho ao da história relatada.

Dia 19 de Junho de 1958. A hora? Não me lembro. De pé, ouvidos atentos embolávam-nos ao redor de pequenina estante acompanhando a voz nervosa do locutor esportivo naquele dia que seria um marco na história do futebol brasileiro. Oito anos depois da derrota histórica no Maracanã quando perdemos para o Uruguai o Brasil apresentava uma nova geração de craques que dominou o cenário mundial do futebol por alguns anos. O mundo se encantava com jogadores como Pelé e Garrincha -principais estrelas- e nós, nos encantamos com os suecos que, embora derrotados, aplaudiram de pé a seleção quando o capitão Bellini recebeu a taça e a colocou sobre a cabeça para que todos pudessem fotografar.

A transmissão era muito ruim com chiados que dificultavam o entendimento, mas nosso personagem principal foi fundamental para que pudéssemos vibrar soltando o grito de campeão sufocado na garganta desde 1950. Estou falando do nosso amigo inseparável que nos atendia sempre embora levasse uns safanões vez em quando para que trabalhasse direito. Um rádio SEMP, tamanho médio que fora adquirido três anos antes para que meu pai pudesse acompanhar o resultado das eleições.

Um apaixonado pela cidade e admirador ferrenho de Joaquim Geraldo Correa candidato a prefeito de Araçatuba em 1955, meu pai acompanhava passo a passo o resultado do pleito. No dia mesmo que fora às urnas, a meia noite colava o ouvido no rádio para ouvir o nome do seu candidato quando da retirada da primeira cédula, da primeira urna. Dizia ele que o primeiro voto computado é que decidiria a eleição. Zizinho( como era carinhosamente chamado) foi eleito e, graças a ele o rádio passou a ser nosso companheiro fiel.

Nessa época a Radio Nacional do Rio de Janeiro vivia seu apogeu e chegava aonde não chegavam a escola nem a imprensa facilitando inclusive a compreensão dos analfabetos. Mesmo nas fazendas mais distantes e isoladas as pessoas podiam acessá-lo graças às baterias ou acumulador e acompanhar a divulgação das músicas “caipiras” que traziam a essência e o romantismo do homem do campo.

A programação da rádio era imensa, mas o forte eram os shows de auditório principalmente comandado por Cesar de Alencar onde desfilavam estrelas como Emilinha Borba, Marlene, Ângela Maria, Ivon Curi, Luiz Gonzaga,Cauby Peixoto e uma constelação imensa que levava os fãs clubes ao delírio e não raro ás brigas na defesa de seus ídolos. As eleições de rei e rainha do rádio eram acompanhadas com muita atenção. Também o grande sucesso da época O Repórter Esso – “Testemunha ocular da história” “O primeiro a dar as últimas” - cuja música tema ecoa em nossos ouvidos até hoje - era programa obrigatório em todos os lares.

Acompanhávamos tudo com muita atenção e aproveitávamos para cantarolar as canções das paradas de sucesso, principalmente as marchinhas de carnaval e as serestas Outro grande fenômeno eram as radio novelas, mas nos eram proibidas, pois segundo meu pai era só choradeira e mau exemplo. Gostávamos e ouvíamos os demais programas quando conseguíamos, pois como já disse as transmissões eram às vezes horríveis e com os chiados perdíamos a metade da apresentação ou a paciência quando então desistíamos. Os Programas como: Consultório sentimental, Jararaca e Ratinho, Seriado “Jerônimo – o herói do sertão” “Edifício Balança, mas não cai” faziam parte de nossa seleção.

Embora a Rádio Nacional fosse a mais famosa ouvíamos também outras emissoras O Programa PRK 30 esse da Radio Mayrink Veiga – era o preferido de meu pai que dava gostosas gargalhadas. Também sintonizávamos a rádio Record - A voz de São Paulo, Difusora, Tupi e tantas outras que se dividiam nas transmissões diretas ou em cadeias. A rádio Bandeirantes - líder no esporte – também transmitia o famoso programa “Na serra da Mantiqueira” com a dupla caipira mais famosa do Brasil – Tonico e Tinoco - Acostumados a ouvir e imaginar nos perdíamos em divagações – casar a voz com seu dono era nosso sonho.As donas de casa cumpriam seus afazeres domésticos sempre com um rádio ligado e o ouvido atento.

As emissoras locais eram também muito ouvidas principalmente durante o dia quando as transmissões de emissoras da Capital se tornavam quase impossíveis. Programas como-“Lembrei-me de Você” onde se oferecia uma música por ocasião de aniversário ou casamento, e a “Ave Maria” às dezoito horas eram sagrados em nossa casa.

Os anos se passaram e o pequeno rádio acompanhava nossa trajetória. Quando surgiram os Movimentos como Jovem Guarda, Tropicalismo, e Festivais da MPB já trabalhávamos e estudávamos à noite e, com os ouvidos colados por causa do baixo volume obrigatório para não acordar os demais, acompanhávamos nossos ídolos não nos importando com a hora tardia e com a obrigação de acordar cedo.

Com o advento da TV acentuado pela revolução de 64 houve o declínio dos Anos de Ouro da Rádio Nacional – conhecida como “Escola do rádio” possibilitando a ampliação de outros canais, e a devoção que se conhecia pelos programas foi transferida para a Televisão embora sem aquele brilho do rádio.

As transmissões pela TV custaram a chegar ao interior, mas mesmo depois de sua chegada nós fomos os últimos a te-la em casa para podermos acompanhar, pelo menos, os vídeos tapes. E durante muito tempo ainda o rádio continuou sendo nosso fiel companheiro mesmo porque não era necessário parar os afazeres para nos entregarmos aos sonhos coisa que a TV exigia.

As muitas histórias que esse amigo nos proporcionou ficaram registradas em nossa memória e descrevê-las seria impossível, mas o maior registro foi com certeza o da importância que ele teve em nossas vidas. Mas como nada é definitivo ele também “passou”.

Que pena! Foi ficando no esquecimento depois que deixamos nossa casa. Soubemos que seu interior foi comido por ratos guardado que estava num quartinho dos fundos. Depois não tivemos mais notícias, mas a lembrança e a saudade, essas ficaram e ficarão para sempre.