Foto tirada pela autora do texto, no museu da cidade de Conservatória/RJ; o rádio é igualzinho ao da história relatada. |
Dia 19 de Junho de 1958. A hora? Não me lembro. De pé, ouvidos atentos embolávam-nos ao redor de pequenina estante acompanhando a voz nervosa do locutor esportivo naquele dia que seria um marco na história do futebol brasileiro. Oito anos depois da derrota histórica no Maracanã quando perdemos para o Uruguai o Brasil apresentava uma nova geração de craques que dominou o cenário mundial do futebol por alguns anos. O mundo se encantava com jogadores como Pelé e Garrincha -principais estrelas- e nós, nos encantamos com os suecos que, embora derrotados, aplaudiram de pé a seleção quando o capitão Bellini recebeu a taça e a colocou sobre a cabeça para que todos pudessem fotografar.
A transmissão era muito ruim com chiados que dificultavam o entendimento, mas nosso personagem principal foi fundamental para que pudéssemos vibrar soltando o grito de campeão sufocado na garganta desde 1950. Estou falando do nosso amigo inseparável que nos atendia sempre embora levasse uns safanões vez em quando para que trabalhasse direito. Um rádio SEMP, tamanho médio que fora adquirido três anos antes para que meu pai pudesse acompanhar o resultado das eleições.
Um apaixonado pela cidade e admirador ferrenho de Joaquim Geraldo Correa candidato a prefeito de Araçatuba em 1955, meu pai acompanhava passo a passo o resultado do pleito. No dia mesmo que fora às urnas, a meia noite colava o ouvido no rádio para ouvir o nome do seu candidato quando da retirada da primeira cédula, da primeira urna. Dizia ele que o primeiro voto computado é que decidiria a eleição. Zizinho( como era carinhosamente chamado) foi eleito e, graças a ele o rádio passou a ser nosso companheiro fiel.
Nessa época a Radio Nacional do Rio de Janeiro vivia seu apogeu e chegava aonde não chegavam a escola nem a imprensa facilitando inclusive a compreensão dos analfabetos. Mesmo nas fazendas mais distantes e isoladas as pessoas podiam acessá-lo graças às baterias ou acumulador e acompanhar a divulgação das músicas “caipiras” que traziam a essência e o romantismo do homem do campo.
A programação da rádio era imensa, mas o forte eram os shows de auditório principalmente comandado por Cesar de Alencar onde desfilavam estrelas como Emilinha Borba, Marlene, Ângela Maria, Ivon Curi, Luiz Gonzaga,Cauby Peixoto e uma constelação imensa que levava os fãs clubes ao delírio e não raro ás brigas na defesa de seus ídolos. As eleições de rei e rainha do rádio eram acompanhadas com muita atenção. Também o grande sucesso da época O Repórter Esso – “Testemunha ocular da história” “O primeiro a dar as últimas” - cuja música tema ecoa em nossos ouvidos até hoje - era programa obrigatório em todos os lares.
Acompanhávamos tudo com muita atenção e aproveitávamos para cantarolar as canções das paradas de sucesso, principalmente as marchinhas de carnaval e as serestas Outro grande fenômeno eram as radio novelas, mas nos eram proibidas, pois segundo meu pai era só choradeira e mau exemplo. Gostávamos e ouvíamos os demais programas quando conseguíamos, pois como já disse as transmissões eram às vezes horríveis e com os chiados perdíamos a metade da apresentação ou a paciência quando então desistíamos. Os Programas como: Consultório sentimental, Jararaca e Ratinho, Seriado “Jerônimo – o herói do sertão” “Edifício Balança, mas não cai” faziam parte de nossa seleção.
Embora a Rádio Nacional fosse a mais famosa ouvíamos também outras emissoras O Programa PRK 30 esse da Radio Mayrink Veiga – era o preferido de meu pai que dava gostosas gargalhadas. Também sintonizávamos a rádio Record - A voz de São Paulo, Difusora, Tupi e tantas outras que se dividiam nas transmissões diretas ou em cadeias. A rádio Bandeirantes - líder no esporte – também transmitia o famoso programa “Na serra da Mantiqueira” com a dupla caipira mais famosa do Brasil – Tonico e Tinoco - Acostumados a ouvir e imaginar nos perdíamos em divagações – casar a voz com seu dono era nosso sonho.As donas de casa cumpriam seus afazeres domésticos sempre com um rádio ligado e o ouvido atento.
As emissoras locais eram também muito ouvidas principalmente durante o dia quando as transmissões de emissoras da Capital se tornavam quase impossíveis. Programas como-“Lembrei-me de Você” onde se oferecia uma música por ocasião de aniversário ou casamento, e a “Ave Maria” às dezoito horas eram sagrados em nossa casa.
Os anos se passaram e o pequeno rádio acompanhava nossa trajetória. Quando surgiram os Movimentos como Jovem Guarda, Tropicalismo, e Festivais da MPB já trabalhávamos e estudávamos à noite e, com os ouvidos colados por causa do baixo volume obrigatório para não acordar os demais, acompanhávamos nossos ídolos não nos importando com a hora tardia e com a obrigação de acordar cedo.
Com o advento da TV acentuado pela revolução de 64 houve o declínio dos Anos de Ouro da Rádio Nacional – conhecida como “Escola do rádio” possibilitando a ampliação de outros canais, e a devoção que se conhecia pelos programas foi transferida para a Televisão embora sem aquele brilho do rádio.
As transmissões pela TV custaram a chegar ao interior, mas mesmo depois de sua chegada nós fomos os últimos a te-la em casa para podermos acompanhar, pelo menos, os vídeos tapes. E durante muito tempo ainda o rádio continuou sendo nosso fiel companheiro mesmo porque não era necessário parar os afazeres para nos entregarmos aos sonhos coisa que a TV exigia.
As muitas histórias que esse amigo nos proporcionou ficaram registradas em nossa memória e descrevê-las seria impossível, mas o maior registro foi com certeza o da importância que ele teve em nossas vidas. Mas como nada é definitivo ele também “passou”.
Que pena! Foi ficando no esquecimento depois que deixamos nossa casa. Soubemos que seu interior foi comido por ratos guardado que estava num quartinho dos fundos. Depois não tivemos mais notícias, mas a lembrança e a saudade, essas ficaram e ficarão para sempre.
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