Texto de Silvia Galvani
Recentemente, Miguel – o caçula dos meus irmãos – ligou-me se não estaria em meio ás recordações que ainda conservava de meu pai, um álbum sobre a Copa do Mundo do ano de 1970.Pensei até que ele havia tirado do seu baú aquele telefone que, quando menino, ele fazia com duas caixas de papelão e barbante – e estaria pedindo uma ligação com a infância.Ou talvez, gostaria de passar isso para Ana Júlia sua neta de cinco anos. Estranhei seu pedido, mas como dizia minha mãe, “cada louco com sua mania” – resolvi pegar a caixinha com as lembranças.
Por coincidência, naquela semana, havia resolvido fazer uma faxina geral e jogar fora papéis velhos e velhas manias que, com o passar do tempo, parece que tendem a aumentar ou acabam se juntando com as novas, que vamos adquirindo. Não encontrei o que Miguel me pedira, mas uma das manias que meu pai herdara de minha avó: guardar notas novinhas, do pouco dinheiro que lhe vinha ás mãos. Ao morrer, encontramos dentro de um livro , uma porção delas, que já não valiam coisa alguma.
Como filha de peixe, peixinho é, também adquiri algumas esquisitices: colecionar miniaturas como garrafinhas, xícaras, joguinhos de chá e café. Para isso, contava com a colaboração da “madrinha” – era assim que vovó gostava de ser chamada. Vez em quando trazia uma peça para juntar ás outras, cuidadosamente arrumadas em uma estantezinha, feita especialmente para este fim, por um marceneiro amigo de meu pai.
O tempo passou, mas meu interesse agora era uma coleção de xícaras antigas que num móvel da sala de jantar, de vovó, muitas delas estavam expostas atraindo a atenção de pessoas amigas que por lá passavam. Tinha o privilégio de tocá-las, pois com a proximidade das férias escolares, era eu incumbida de lavá-las e recolocá-las no devido lugar, o que fazia com prazer e cuidados redobrados.
Caso observasse com mais atenção uma ou outra peça mais delicada, madinha então pedia para deixá-la sobre a mesa. Logo depois esta fazia parte da minha nova mania e da minha vida.
Conservo até hoje alguns objetos da minha coleção, o que não chega a ser TOC – Transtorno Obessessivo Compulsivo, do ponto de vista da moderna psicologia.
Vovó, a mulher de vida simples e mãos calejadas, deixou através desse seu gesto, legado bem mais valioso. Muitos desses presentes já não mais existem e não posso deixar para os meus, mas o que verdadeiramente gostaria que não se perdesse, pertence ao contexto das coisas simples que na vida podemos receber: perseverança, dignidade, desprendimento e amor ao próximo.
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